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A armadilha do autocuidado e a ética do cuidado de si


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Muito se fala em autocuidado: cuide-se, seja produtivo, tenha rotina, faça, aconteça. Como se fosse um imperativo, quase um check-list que precisamos cumprir para enfim, “chegar a algum lugar”.


Mas no cotidiano da clínica, o que aparece são justamente os efeitos desse imperativo: queixas de procrastinação, sensação de desorganização, uma constante ideia de falha. Uma matemática que nunca fecha. Porque no fim o “menos” recai sempre sobre o sujeito: “falta algo em mim”, “não estou dando conta”, “não estou fazendo o suficiente”.


O que realmente falta?


Talvez o ponto não seja fazer mais, mas questionar essa lógica de desempenho infiltrada até no que deveria ser cuidado. E aqui, a reflexão foucaultiana sobre a ética do cuidado de si nos oferece um deslocamento importante.


Para Foucault, cuidar de si não é ajustar-se a normas, mas uma postura ética: uma prática de liberdade em que o sujeito se constitui, se interroga, se cria. O cuidado de si não é submissão a um ideal, é um exercício de expansão, afirmação e invenção de modos de existir. Uma “estética da existência”, em que a vida é trabalhada como obra, e o retorno a si abre caminhos para agir no mundo de outra maneira.


Nessa perspectiva, o autocuidado não pode ser reduzido a tarefas, hábitos ou protocolos; ele passa por subverter o imperativo que nos convoca a funcionar sempre melhor, e recolocar a singularidade de cada sujeito no centro.


O que, em você, não dá conta? O que essa falta diz? O que ela anuncia sobre seus limites, seus ritmos, seus modos próprios de viver?


A escuta clínica nos mostra que o verdadeiro cuidado talvez esteja exatamente em interrogar essa engrenagem, tornando-se menos servil a ideais de eficiência e mais atento ao que pede pausa, descanso, respiro. Assim, o cuidado pode de fato cuidar, apaziguar, sustentar, criar espaço, ao invés de gerar sofrimento.


Talvez o autocuidado comece quando deixamos de tentar caber em um modelo e nos autorizamos a escutar, com gentileza, aquilo que verdadeiramente nos eleva.

Assim, o autocuidado se aproxima de uma ética do cuidado que impreterivelmente é também uma prática de liberdade. Mayara Ciciliotti Psicóloga - CRP 16/5420

 
 
 

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